segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Comer, Rezar e Amar


Eu nunca pensei que o amor bateria de novo à porta. Já tinha até desistido dele, mas resolvi dar-lhe uma chance. E ele chegou naquela tarde. Discreto, com gosto de aventura, e, o mais importante, disposto a também amar.

Não sei bem porquê resolvi dar uma chance ao amor. O fato é que a viagem à Moçambique foi também um retiro a mim mesma, ainda que estivesse rodeada de outras mulheres. 

É provável que a história de vida delas tenha me marcado. Mesmo com todo sofrimento imposto pela sociedade patriarcal, a vontade de lutar e o sonho por uma vida livre de violência permaneciam vivos naquelas mulheres. Era disso que as cantigas entoadas a toda hora, como num ritual de fé, nos contava. Resistir, seguir em frente.

Moçambique foi também uma descoberta de sabores gastronômicos. Saborear a mandioca, o milho, a batata doce, a abóbora com outros temperos, preparados de outra forma foi no mínimo encantador. Aprendi ali valor de resignificar os alimentos, assim como as experiências. 

Em um determinado momento, me senti como a Júlia Roberts em Comer, Rezar e Amar, filme baseado no livro homônimo de Elizabeth Gilbert. Sim, havia tido uma epifania gastronômica e religiosa-espiritual. Faltava a epifania amorosa. E ela veio porque eu me permiti. 

Desde então, meu dia é vivo, cheio de carinho, e de uma leveza que eu nunca havia experimentado. E, assim como as moçambicanas, que estão sempre a dizer obrigada, eu também só tenho a agradecer. Que o amor e a vida sejam leves. 


domingo, 4 de novembro de 2018

Encontros passados futuros



Sempre me imaginei nas situações em que te encontraria passados longos cinco anos. Imaginava te encontrar em algum congresso, nos corredores da universidade, no café mais badalado da cidade, em uma livraria ou qualquer outra circunstância que arrotasse sua arrogância travestida de fineza.


Por ironia, quis o destino que fosse a praia o lugar escolhido para aquele encontro, embora eu tenha fingido que não te vi e você apenas retribuiu o gesto, ignorando-me por completo.

Lembrei-me daquele dia em que você me disse que ficar comigo representaria uma vida medíocre. Aí está a ironia: de repente, estávamos os dois medíocres sob o mesmo sol, pisando a mesma areia, olhando o mesmo horizonte, sentados na mesma barraca de praia que oferecia aos seus clientes mesas e cadeiras de plástico. Condições iguais. Nem mais ou menos.

Não tenho dúvidas de que é a praia o lugar mais democrático do mundo. E que é ali que, vez ou outra, os medíocres (ou não) se encontram para compreenderem que o passado já não serve mais para uso. E que o futuro, este que dá nome a praia, é tão imenso quanto o mar que contemplamos separados. 







terça-feira, 17 de julho de 2018

Sobre poder

Homens não gostam de mulheres. Gostam do poder que exercem sobre elas. Falo isso considerando que vivemos um sistema patriarcal permeado de relações de poder. Nem mesmo mulheres com franca autonomia conseguem escapar da máxima ditada acima. Além da dependência econômica, o poder exercido está também na ordem da dependência emocional e moral.

Vejam, homens não gostam de mulheres mais inteligentes do que eles. Claro que há exceções. Todavia, a regra é esta. Dito isto, a mulher idealizada não pode gostar de política, economia, esportes, religião. Tem que ser aquela que partilha do sensível. Da arte, da literatura. 

Ora, ainda que façam uma arte de resistência e engajada, não são capazes de, sozinhas, mudarem as estruturas de poder. Daí isto pode não ser um empecilho para o homem, que continua exercendo poder sobre as mulheres. 

Com isso descartamos também a ideia de relações que se estabelecem somente pelo amor romântico. Aqui há uma troca mútua de interesses. O que um tem a oferecer ao o outro que lhe interessa? 

PS: É o que por ora tenho observado. Preciso desenvolver melhor estas ideias. ;)

O ataque à Universidade

A matéria da BBC sobre a crise na ciência apresenta para o leitor que, além dos cortes de verbas na educação, o problema estaria no fato do país ter formado um número grande de doutores (que não estão inseridos no mercado) e de uma certa falta de planejamento na expansão universitária, afinal foram fundadas dez novas universidades nos últimos quinze anos (e nenhuma nos governos do PSDB). 

A notícia viralizada traz consigo um perigoso discurso neoliberal que vê o acesso à universidade apenas como gasto e não como direito. Colocam a ciência quase como desnecessária! 

O que a BBC não conta é que, embora o número de doutores seja grande, os valores escondem uma imensa desigualdade, com má distribuição geográfica dos titulados e áreas em que ainda é escassa a formação desses profissionais. Portanto, sim, precisamos formar mais doutores. 

A outra questão não-retratada é que a reforma trabalhista levou os centros universitários particulares a uma grande reestruturação, promovendo não apenas demissões (inclusive de professores renomados), mas o completo desmonte de programas de pos-graduação que precisam ser geridos por doutores. 

Na graduação, tem sido recorrente a substituição de professores mestres por especialistas. O argumento é de que é mais barato manter as turmas que já não possuem tantos alunos, uma vez que as mudanças no fies e no ProUni diminuíram drasticamente o número de estudantes matriculados. 

Não bastou a PEC que congela os recursos em 20 anos, o alerta é que vão tentar destruir a universidade a todo custo! 

sábado, 10 de março de 2018

Desde que a história do professor da UFRN que expulsou mãe e filha de sala de aula ganhou repercussão nacional, diversas estudantes, que são mães, iniciaram uma linda campanha no grupo do Facebook intitulado Bolsistas Capes. São fotos com filhos e filhas e diversas histórias de como conseguiram conciliar a vida acadêmica e a maternidade. Histórias que não cabem em um lattes. Histórias de resistência. Porque esse tem sido o nosso papel: resistir ao que o patriarcado quer ditar sobre os nossos corpos e nossas vidas. Não nos querem no espaço público.
Não passarão! Vamos sempre conseguir transformar nossa dor em luta! 

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Sobre a autocrítica do PT

Sempre que vejo alguém pedir para Lula ou o Partido dos Trabalhadores fazerem uma autocrítica do que foram os seus anos de governo, me vem a mente um processo muito ligado a noção de uma culpa cristã. Basta que ele confesse os pecados e estará perdoado dos erros cometidos no passado. Confessar é a chave para a redenção. É quase um ato penitencial: "Por minha culpa, minha culpa, Minha tão grande culpa", como diz a oração cristã.

Na prática, sabemos que não é bem assim. O ódio ao PT e a Lula já estão tão arraigado no imaginário "da esquerda que a direita adora", que seria difícil cogitar qualquer tipo de aliança política ou quer seja programática. Outros fatores, como a vaidade política, impedem este "sacrifício".  

A autocrítica aqui, é portanto, só mais uma forma de tentar condenar ainda mais Lula. Sabe? Aquela história de apontar o dedo para dizer: "nós avisamos", etc.  Não há espaço para uma construção real. A forma como essa esquerda se comporta, nos diz muito sobre isso. É capaz de nunca aceitarem essa crítica própria feita pelo PT, porque o que vale é o que pensam os "iluminados" e "puristas". 

A cantilena da autocrítica também me parece uma forma de aniquilar o Partido dos Trabalhadores. Na mente de alguns, o fim do PT abre espaço para a ascensão de outros partidos e, consequentemente, lugar para dirigir às massas.

A mobilização entorno de Lula, quer seja nas caravanas Brasil afora e no processo do julgamento do triplex, demonstra que essa turma é muito ingênua. Para quem acha que o PT estava morto, ele continua ainda mais vivo como um instrumento importante da classe trabalhadora.

A autocrítica pública para execração e deleite dos esquerdistas não virá agora. Embora, é verdade, ela está publicada nos documentos do partido dos congressos que aconteceram nesse período, nas teses das diversas correntes, nos manifestos. Pode não ser a crítica ideal e desejada, mas é a que tem.  

Em tempos de avanço neoliberal e do conservadorismo, me parece que a estratégia é muito mais apostar na construção de um programa e de uma tática que nos leve a uma restauração da esquerda, do que esperar uma crítica feita a si próprio possa vir a zerar o jogo e só assim começar a pensar em uma unidade. Minha aposta é que essa autocrítica se dará mais no processo de construção deste programa. 






segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Pronto

Circula pelo Facebook um texto que retrata o estilo e costume dos cearenses de Fortaleza. Até ver esta publicação, nunca tinha me passado pela cabeça do quanto utilizamos a palavra "pronto" para iniciar ou finalizar frases. Pronto... Foi o início para me policiar se estava ou não falando esta expressão em excesso. Agora pronto! Fiquei com essa noia. Mas, ao mesmo tempo, a cada “Pronto” falado dá-me um orgulho danado de ser cearense. Pronto! Era só essa besteira que queria compartilhar. 

sábado, 30 de dezembro de 2017

Feminismo

2017 foi ano em que o liberalismo se apropriou de vez o feminismo. Assim, se consolida a (falsa) ideia de que o mercado é capaz de dar liberdade para a mulher escolher explorar o seu  corpo e ganhar com isso. 

Como se o patriarcado e o capitalismo nos dessem a oportunidade de fazer escolhas. Que o diga o ano de 2016, em que golpearam a democracia e com ela vários dos nossos direitos.

No máximo, estamos tentando sobreviver à pobreza, à miséria, à violência, ao feminicídio, à cultura do estupro. Estamos lutando cotidianamente contra a mercantilização do nosso corpo, das nossas vidas, dos territórios. Ao avanço do conservadorismo sobre os nossos direitos.

Como escreveu Clarice Lispector: "Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome".