segunda-feira, 16 de abril de 2007

Energia que vai para o lixo

Não é de hoje a comunidade internacional vem alertando para as mudanças que o clima sofreria se nada fosse feito para mudar a forma insustentável de exploração do planeta. Já em 92, quando ocorreu a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, os ecos de que a humanidade havia seguido o caminho da destruição eram audíveis em qualquer canto do planeta. Mesmo assim, a maioria dos poderosos preferiu ficar surdo. Com exceção de uma parte do empresariado, que viu no oba-oba do grande evento, uma forma de explorar a imagem do ambientalmente correto num boom que declinou quase que concomitantemente ao fim do evento ambiental.
Quinze anos depois, o aquecimento global debuta pelos espaços da sociedade e faz ressurgir o interesse do empresariado pela imagem do ambientalmente correto. Isso não é apenas bondade ou apreço empresarial pelo meio ambiente. Na verdade, o consumo sustentável dos produtos, a partir de conceitos como embalagem reciclável, produto orgânico ou empresa com responsabilidade sócio-ambiental vem atraindo cada vez mais consumidores, principalmente no mercado europeu.
Mas na hora de consumir, baseado em conceitos assim, todo cuidado é pouco. Nem todo produto está dentro dos padrões sócio-ambientais. Os empresários ainda fazem muita confusão na hora de definir o que é Meio Ambiente. Muitos ainda acham que apenas as plantas e os animais, por exemplo, fazem parte do meio ambiente. E homens e mulheres acabam esquecidos da grande teia da vida.

O programa ECOCoelce é um grande exemplo do esquecimento, talvez proposital, da inserção da humanidade no meio ambiente. Criado há poucos meses pela Companhia Energética do Ceará, COELCE, o programa ECOCoelce prevê a troca de material reciclável por descontos na conta de energia.
Até esse ponto, o programa é louvável, está promovendo a coleta seletiva e ajudando a preservar o planeta. Mas a insustentabilidade sócio-ambiental vem logo depois. A COELCE venderá o material entregue pela população para uma empresa privada, tirando o sustento de quase oito mil catadores que sobrevivem, há décadas, do recolhimento desse material em Fortaleza. Esse projeto poderá ainda estabelecer um conflito social entre o catador e os moradores que doam seu material à COELCE, além de fragilizar ainda mais o processo de reconhecimento social do catador.
O ECOCoelce deve ser considerado um retrocesso na luta pela inclusão do catador na sociedade. Uma luta que já conseguiu uma série de vitórias no âmbito nacional, como a assinatura do decreto presidencial que institui a adoção da coleta seletiva nos prédios públicos e a doação do material para as associações de catadores.
A sociedade precisa estar atenta a essas empresas que tentam lucrar com a responsabilidade ambiental sem ter nada de ambiental. Precisam fiscalizar ainda se as ações contemplam a questão ambiental ou se não geram conflitos sociais e ambientais. Senão, projetos como o ECOCoelce não irão ter serventia nenhuma, será uma energia que irá para o lixo.

Isabelle Azevedo