quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

As águas do São Francisco

Será que a transposição do São Fransciso vai dar de beber aos sertanejos??? Tenho minhas dúvidas...

06.02.07 - BRASIL
A Morte da Menina Sem-água

Roberto Malvezzi, Gogó *

Adital - A menina era sem-terra. Na luta sua família conseguiu terra e agora está assentada na região de Petrolina, próxima ao rio São Francisco e aos perímetros irrigados. Mas a menina continuava sem-água, porque não há serviço de água nas casas dos assentados sequer para beber, quanto mais para plantar.

Então e menina foi buscar água no canal de irrigação que supre os lotes irrigados. Era um roubo de água, porque é proibido qualquer retirada de água, mesmo que seja para matar a sede. Mas o canal tem as bordas inclinadas, cimentadas e lisas. A menina escorregou e caiu no canal. Morreu afogada.

Os participantes do assentamento fecharam a estrada que liga Petrolina a Casa Nova para protestar contra a morte da menina, mas também para dizer que continuam sem água. Muita gente estava chegando para o micareta de Juazeiro (carnaval antecipado) para ver Ivete Sangalo e Margareth Menezes. Tiveram que saber que uma menina sem água tinha morrido afogada.

No dia 9 de fevereiro dizem que o presidente da república irá a Cabrobó inaugurar a tomada de água do projeto de transposição. Talvez ele pudesse visitar todos os túmulos, de todas as meninas e meninos que têm morrido de sede em todo Nordeste, mesmo ao lado do rio São Francisco e dos perímetros irrigados. Porque água para irrigação tem, mas para a menina matar a sede, não. Esse será o destino das águas a serem transpostas.


* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=26265

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

O futuro da humanidade


Existem verdades que precisam ser ditas, ainda que sejam verdades inconvenientes. E devem ser ditas, principalmente, se tiverem a capacidade de evitar o desaparecimento total de uma comunidade de vida, alertando bilhões de pessoas sobre os problemas do futuro.

É nessa perspectiva que Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, apresenta o documentário Uma Verdade Incoveniente, dirigido por Davis Guggnheim que já dirigiu o seriado 24 horas.

O documentário mostra verdades preocupantes sobre os efeitos do aquecimento global no mundo. A situação é desesperadora: secas devastadoras, aumento da intensidade dos tufões, aumento dos níveis dos oceanos, extinção de espécies, desequilíbrio hídrico, entre outros efeitos que são esperados para as próximas décadas.

Através de gráficos nunca antes vistos fora da comunidade acadêmica, Al Gore mostra, com um grande didatismo, como a ação humana está fazendo aumentar as temperaturas do planeta. É também através dos gráficos que o ex-candidato à presidência americana em 2000 compara a emissão de gases-estufa, com o aumento das temperaturas no mundo cujos maiores índices foram registrados nos últimos quinze anos.

Al Gore retrata um futuro bem diferente do que se costuma ver em filmes como os de Steven Spielberg, onde o mundo é dominado por confortos tecnológicos. O futuro apresentado por Al Gore é sombrio. O aquecimento global, segundo dados apresentados por cientistas, produzirá uma geração de refugiados sócio-ambientais, principalmente das populações que vivem em comunidades costeiras. Doenças, antes erradicadas, devem provocar novas epidemias e outros vírus, muito mais poderosos, podem surgir. A fome, a falta de água e a miséria deverão se intensificar nas próximas décadas se medidas drásticas não forem tomadas a partir do próximo segundo para reduzir as emissões de gases.

O documentário é eivado de patriotismo tipicamente estadunidense. Al Gore conclama aos conterrâneos a liderarem mais uma guerra, mas, dessa vez, é uma guerra pela sobrevivência do mundo. Tanto patriotismo não é para menos. Os Estados Unidos são um dos maiores poluidores do mundo e o país recusou a assinar o Protocolo de Kyoto, documento que estabelece metas para a redução das emissões de gases até 2012.

A verdade inconveniente de Al Gore certamente deverá ser ouvida pelas nações, já que o futuro da economia, o que realmente parece importar a humanidade, também está em jogo e deverá custar caro aos países ricos.

Serviço: Uma Verdade Inconveniente ( An Inconvenient Truth), EUA,2006, 100 min. Dirigido por Davis Guggenheim, estrelando Al Gore. Classificação 12 anos.

Que fazer alguma coisa para reduzir o Aquecimento Global? Seja um Consumidor Consciente.

Acesse o Instituto Terrazul: http://www.terrazul.m2014.net

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

E lá se foi o frade-anjinho...


Por Isabelle Azevedo

Quando começamos a lidar com o fazer jornalístico, sempre nos deparamos com a possibilidade de escrevermos grandes textos a partir de situações presenciadas no nosso dia-dia, ou apenas conversando com pessoas que poderiam render um bom personagem para alguma reportagem.

Apesar do pouco contato com o mundo maravilhoso do jornalismo, começo a ver notícias, reportagens, artigos, crônicas, resenhas em tudo quanto é lugar. Principalmente depois de cursar a disciplina de um certo “fenômeno”. Não sei se todos os estudantes de jornalismo ou os jornalistas assim percebem. Eu percebo assim. E o melhor lugar para se ter essas alucinações/percepções é, sem dúvida, nos transportes coletivos, onde se é possível achar grandes personagens.

Já perdi as contas de quantas vezes presenciei cenas engraçadas em ônibus, figuras malucas (como um carinha que reproduziu toda a defesa de monografia na “topic”), conversas quase monossilábicas que duraram a viagem inteira (tu é foda mah!) ou os não-raros vendedores de guloseimas e suas intermináveis cantorias sobre as dificuldades da vida urbana. Todos com alguma história para contar. Todos prontos para se tornarem mote de algum texto jornalístico pelas mãos desta estudante-cronista, que quase nunca acha tempo para escrever.

De todas as situações já vividas, nenhuma me chamou tanta atenção quanto a que se passou na última segunda-feira. Quando a inépcia/inexperiência me fez perder o que poderia ter sido uma grande reportagem.

Na parada do ônibus, fui abordada por um jovem alto, de face rosada, de olhos tão azuis... Mais parecia um anjo. Era quase isso. Vestia roupas de frade (Ah, se não fosse um religioso...), um chinelo de couro e trazia um rosário e uma medalha junto a cintura. Queria se informar como fazia para ir da Avenida Jovita Feitosa ao terminal da Lagoa. Ele estava perdido. Não sabia andar de ônibus por Fortaleza. Aliás, nunca tinha andado de ônibus. O frade-anjinho falava carregado, com um sotaque que mais lembrava os sotaques italianos das novelas globais.

Uma senhora, que também aguardava o transporte, tratou de fazer as honras como repórter. “Eu pergunto, mas não é por curiosidade”, alegou a velhinha depois. E ele, meio tímido, revelou ser um cearense que vivia em um mosteiro em Quixadá. Os “irmãos” falavam apenas italiano entre si, daí o porquê do sotaque. Também havia morado muito tempo na Europa.

A mulher continuou sua “exclusiva” com o pobre rapaz. Logo ela quis saber em que ano de Teologia o frade-anjinho estava. A resposta dele foi surpreendente: “Não faço Teologia. Estudo Arte Bizantina. Sou especialista nesse tipo de arte”. Pronto. A luz do índice “isso daria uma boa reportagem” soou em minha cabeça. Um cearense que estuda Arte Bizantina? Isso é tão raro quanto ornitorrincos encantados que voam com as orelhas.

A senhora começou a insistir em perguntas mais íntimas, sobre a vida religiosa, deixando o meu personagem mais tímido ainda. Mas o que não saia mesmo da minha cabeça era a Arte Bizantina. Já podia me ver entrevistando o “irmão”. Escrevendo ainda sobre essa arte, datada do século três depois de Cristo e feita pelos primeiros cristãos ortodoxos, como ele me explicou já na “topic”, quando, enfim, eu parecia iniciar a minha “exclusiva”.

Parecia. Logo fiquei tímida, quando o frade-anjinho comentou comigo como as pessoas gostavam de fazer perguntas indelicadas sobre a vida dos religiosos. Uma alusão a uma certa senhora. Mesmo assim, arrisquei-me a perguntar sobre o seu trabalho. Afinal de contas, era mesmo o que me interessava. Contou-me ainda que, além de estudar, produzia Arte Bizantina. Quase delirei ao saber que estava diante de um artista ou - quem sabe?- de um grande artista. Disse-me que era um mercado caro. Vendia poucas obras. Não aceitou meu argumento de isso se dever ao fato de a arte bizantina não existir no nosso país. Informou-me que existiam duas escolas no Brasil. Ambas no Sudeste. Ele havia freqüentado uma delas e depois pôde se especializar na Europa.

A aula sobre a arte bizantina chegou ao fim rapidamente. Ele precisava descer. Indiquei-lhe a parada na qual deveria descer e o orientei sobre qual ônibus tomar para ir ao terminal da Lagoa. Ele parecia haver entendido tudo. A única dúvida mesmo foi saber por onde deveria sair da “topic”. “Você desce por onde entrou. É só girar a catraca ao contrário”, respondi rindo da pergunta ingênua. Logo se via que ele nunca andara de transporte alternativo.

Fiquei com a sensação de que a viagem havia sido muito curta (culpa da pressa do motorista). Não perguntei tudo o que queria saber sobre Arte Bizantina. Nem se quer cheguei a perguntar o nome do meu personagem.

Pela janela, fiquei vendo o frade-anjinho sumir. Lamentava-me por deixar ir embora o personagem da minha reportagem, sem ao menos pedir-lhe algum contato. Ou melhor, vi minha reportagem ir embora. Paciência. Aprendi uma lição. Meu consolo é dedicar-lhe esta crônica.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Mémorias Mutiladas

Por um lado, Quixeramobim parece continuar a mesma. A antiga estação ainda permanece intacta, como se ainda esperasse os trens que faziam a alegria da cidade. Na Igreja Matriz, Santo Antônio continua a atender aos pedidos das moças casamenteiras e dos romeiros. A casa do beato Antônio Conselheiro também continua preservada, mas já não recebe visitantes.

O sol escaldante e o calor infernal do sertão continuam iguaizinhos. Assim como os sermões do padre ora atacando os homens casados que se atrevem a provar de outras carnes lá pelos lados do Cupim (distrito local), ora atacando as novelas da Globo, que ele jura por Deus não assistir. Tudo parece como sempre.

Apenas parece. Se andarmos pelo município, logo percebemos que muita coisa mudou. Quixeramobim já não é mais a mesma. Pelo menos, não a mesma da minha infância, quando os inúmeros terrenos baldios tornavam-se campos de futebol ou lugares para jogar o bom e velho cemitério. Mas já não há espaços vazios pelo lugar. A cidade cresceu, impulsionada, sobretudo, pela economia. O motivo já não é o algodão. O ouro branco do século passado deu lugar a um promissor pólo calçadista.

Junto com a expansão econômica vieram os prédios de mais de dois andares, a abertura de faculdades, os hipermercantis, os hotéis de luxo, a adoção de semáforos e, por último, os “Shoppings” (isso mesmo, no plural. Existe mais de um). Tudo mudou. Até os ventos vindos do Rio Banabuiú já não refrescam mais as noites quixeramobinenses (culpa do aquecimento global?).

Pouco a pouco a cidade vai ganhando uma outra forma. O cheiro de novo vai desfazendo-se das lembranças da gente daquele lugar. E, assim, os prédios históricos vão sendo alterados sem dó nem piedade da memória histórica que guardam. Tudo para preparar a cidade para o “progresso” econômico.

O prédio conhecido como “casarão do José Felício” é um exemplo do descaso. Quase veio abaixo para dar lugar à expansão de um dos hipermercantis quixeramobinense. O processo de tombamento do prédio já se havia iniciado, quando a noite do sertão presenciou as primeiras violências à antiga Casa Grande do período colonial. A população ficou estarrecida com o crime. Mas ninguém viu nada, afinal à noite todos os gatos são pardos, principalmente se eles forem de famílias importantes. Graças à repercussão midiática, os crimes cessaram. Por pouco o casarão não foi transformado em “mega-hiper-supermercado”.

A casa colonial é o exemplo mais visível dos atentados ao patrimônio histórico-cultural da cidade. O antigo e o novo estão em constante desarmonia em Quixeramobim. A antiga praça da prefeitura, por exemplo, ganhou um “design” mais arrojado, ideal para showmícios. De antigo mesmo só sobrou a Imagem de Nossa Senhora do Rosário que os fiéis não deixaram retirar. Mas a santinha quase passa despercebida frente à opulência arquitetônica do monumento erguido para lembrar Quixeramobim como centro geográfico do Ceará.

Nem a Igreja Matriz, datada do século XVIII, escapou do novo. O antigo piso foi trocado por um granizo tão brilhante que refletiria o céu se a igreja não possuísse telhado. Enquanto isso, os santos, alguns com a mesma idade do prédio sagrado, ficam à mercê do tempo e dos cupins. A Igreja diz não ter dinheiro para restaurá-los, mas para comprar carros e sítios todo santo ajuda.

Quixeramobim vai perdendo aos poucos sua memória patrimonial. Tudo por conta da pressa de crescer. O município perdeu muito espaço político e econômico para as cidades que nos séculos anteriores não passavam de meros distritos. Hoje, vai tentando recuperar o desenvolvimento que a história não lhe concedeu e faz isso mutilando a própria história. Infelizmente, o tempo que rege o progresso em Quixeramobim é o presente. A cidade não se importa com o passado, tão pouco com o futuro. E o passado certamente não será presenciado pelas gerações futuras.