sábado, 4 de novembro de 2017

Verdades e Mentiras

Quero aqui falar de ilusões e sobre criar expectativas. Desde que sofri a primeira grande decepção amorosa, daquelas que te fazem petrificar o coração, tenho me policiado sobre a possibilidade de criar expectativas. Afinal, o medo de sofrer te paralisa e te faz ficar atenta.

Entretanto, nos últimos tempos, tenha refletido muito sobre o limite entre "criar expectativas" (vindas de você) e "a expectativa que é criada pelo outro". Ou seja, qual a parte da minha culpa nisso?

Veja, uma coisa é você fantasiar o outro e desejá-lo como ele deveria ser. Outra coisa é como o outro se projeta, de forma que você acaba por comprar aquela ilusão dele, tomando-a como uma verdade.

Para ser mais nítida. Você conhece alguém  (ou acha que conhece). A forma como a pessoa age, fala, pensa te leva a crer que ali está um cara estudioso, trabalhador, arrimo de família. Se ele diz que está ajudando o pai a consertar o carro, a irmã com o trabalho ou a mãe a decorar a casa... Uau! Que cara família! Que admirável!

Mas aí o cara atencioso muda. Não te responde as mensagens. Lá no fundo você sabe que algo mudou. Insiste em saber o que é. Diz que se ele não quer continuar, que avise. Mas a resposta vem com um "não é nada".
A verdade vem e logo o cara família se torna um cafajeste,  como ele se autodenominou um dia.

Quem aí mentiu para si? Você que criou expectativa? Ou o outro que deu condições para que você tivesse essas expectativas?

Por mais que o outro diga "sou sincero", a verdade é algo socialmente construída. Você pode ir construindo as verdades, ainda que ali esteja a mentira. Parece confuso. E é.

O cara pode dizer que quer ter filhos porque gosta de crianças. Isso é uma verdade. Mas um dia você o vê maltratando crianças e se pergunta "qual a verdade sobre esse cara?".

Trago essas questões porque o patriarcado recai nas mulheres grande parte da culpa sobre o criar expectativas. Claro, não negamos aqui que a ideia de um amor romântico ajuda neste tipo de criação.

Mas surge a ideia de que falta  amor próprio as mulheres. "Caras assim só se aproximam de quem não tem amor próprio", diz um texto de autoajuda. Ainda que não tenhamos aceitado a mentira, sendo que ela foi empurrada para nós. Somos colocadas como culpadas, em uma situação em que somos vítimas.

Também o fenômeno da falta de responsabilidade afetiva (ou de empatia) ajuda a internalizar essa culpa do criar expectativas. Como? A medida em que entram em nossa vida, criam imagens sobre si que não são reais, somem e são incapazes de pedir desculpa, justificar as mentiras, deixando tudo em aberto sem o mínimo de diálogo. Não tem o mínimo de responsabilidade, destruindo a autoestima de muitas.

Em tempos de redes sociais que alimentam uma vida falseada (pessoas perfeitas, lindas e felizes em lugares lindos e perfeitos), em que notícias falsas constroem a destroem imagens, a mentira aparece como o novo balizador da vida. Naturalizamos e a aceitamos porque queremos fazer parte dessa ilusão da vida perfeita. Ao mesmo tempo, repactuamos com o machismo e o patriarcado, mantendo a relação de dominação-subordinação.

Terminaria o texto com alternativas para romper com isso, mas não há. Me parece que tem muito mais a ver com sorte do que com uma fórmula para fugir de gente assim. Talvez a única recomendação, seria a necessidade de exercitar a sinceridade