Escrevi este texto quando as primeiras manifestações de junho de 2013 condenavam a participação dos partidos políticos, dos movimentos e organizações de esquerda. Boa leitura!
Reflexões
sobre o apartidarismo das manifestações
Ontem,
quando o país explodiu em meio as inúmeras manifestações, uma
amiga me ligou para contar sobre a manifestação em Belém-PA. Ela –
feminista, ambientalista que está na defesa pelos povos da Amazônia
desde a juventude, mas sem filiação partidária – se disse
assustada com a brutal resistência dos manifestantes com relação
aos partidos. Em Belém, carros de som e bandeiras dos partidos foram
impedidas de circularem e veementemente hostilizadas. “Sem partido,
sem partido”, gritavam os manifestantes, assim como gritaram em
outras partes do Brasil.
O que
mais me assusta neste aparente apartidarismo é a incompreensão de
um “Estatuto da Política”. Um estatuto que não rege apenas o
Brasil, mas a política mundial. Refiro-me a incompreensão da
necessidade de organizar-se em partido, ou mesmo em movimentos, para
disputar os rumos da sociedade e ocupar as instituições; a
incapacidade de compreender que os Governos –burgueses ou não–
são instrumentos para as transformações sociais e econômicas do
nosso povo; e, por fim, a incapacidade de entender o que é a
política.
É aqui
falo de política tomando Hannah Arendt (1950)* como referência, que
conceitua a política baseada na pluralidade dos homens (e mulheres)
e na convivência entre os diferentes. Desta forma, a política não
é parte individualizada."(...) O homem é a-político. A
política surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora dos
homens. Por conseguinte, não existe nenhuma substância política
original. A política surge no intra-espaço e se estabelece como
relação". Onde há a palavra homens, leia-se mulheres também.
Desta forma, percebo que negar “o partido”, “o diferente” vai
contra a própria política.
Mas o que
mais me preocupa é que, enquanto os manifestantes negam o
partidarismo e a esquerda briga pra ver quem é mais de esquerda e
esquece que governar é estar permanentemente em disputa com as
contradições que o capitalismo nos impõem e com os limites da
burocracia governamental**, os segmentos mais conservadores entendem
a necessidade de seguir o “Estatuto da política” para garantirem
conquistas de direitos que partem de pautas igualmente conservadoras.
Não é à toa que estes setores vivenciam um movimento contrário,
organizando-se cada vez mais enquanto partido e fortalecendo a
bancada ruralista e do agronegócio e a bancada da moral religiosa
cristã. Duas bancadas que têm nos proporcionado retrocessos e
impedido debates importantes para o país como a questão do aborto.
Não
obstante, os ambientalistas também tem se organizado em torno de um
partido, no caso da Rede, encabeçado pela Marina Silva. Embora
rejeitem a concepção do partido e forcem sobre si o conceito de
rede***, embora vivam contradições ideológicas sobre o
ambientalismo, eles entenderam que a disputa também é feita por
dentro das estruturas. Essa institucionalização segue uma tendência
que também já existe na Europa e precisa ser melhor estudada. Como
é o caso do Partido Pirata Sueco cuja pauta está ligada a
democratização da propriedade industrial e intelectual ou, talvez
menos, o italiano “Movimento 5 Estrelas”, que nasceu, em 2009,
como uma mobilização social na internet, liderada pelo comediante
Beppe Grillo, partidarizou-se e hoje conta com quatro prefeitos e uma
representatividade de quase 20% cada na câmara e no senado****.
Hoje este partido se depara com as contradições do que é ser
governo.
Sem
dúvida, as manifestações não deixam de ser uma grande lição
para os partidos em geral e, principalmente, para os partidos de
esquerda. Aqui como na Europa, a esquerda experimenta o desafio de se
renovar perante às massas que rejeitam cada vez mais o partidarismo
e que há muito estão desiludidas com a lentidão das transformações
sociais ou os retrocessos nos direitos sociais. O desafio é como
disputar os rumos dessa sociedade. É importante pensar novas
abordagens, novas linguagens, uma nova estética e apropriar-se das
tecnologias da informação.
Mas o que
não dá é pra não tomar partido. E voltando a historinha do começo
do texto, senti um orgulho danado da minha amiga paraense que
resolveu se filiar ao PT. Podia ser em qualquer outro partido à
esquerda, mas ela tomou partido e entende que esse apartidarismo aí
não provoca as verdadeiras mudanças estruturais que o país
precisa. Falo de mudanças como a reforma política, a democratização
da comunicação e do conhecimento.
*ARENDT,
Hannah. O
que é Política? Rio
de Janeiro: Bertrand, (1950) 2004.
**
Importante revisitar Lênin e o seu pensamento sobre a burocracia.
***
Sobre o conceito de Redes consultar SCHERER-WARREN (2012; 2006;
2005)
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Informações da Wikipédia -
http://pt.wikipedia.org/wiki/MoVimento_5_Estrelas