domingo, 12 de janeiro de 2014

Manifestações de junho de 2013

Escrevi este texto quando as primeiras manifestações de junho de 2013 condenavam a participação dos partidos políticos, dos movimentos e organizações de esquerda. Boa leitura!

Reflexões sobre o apartidarismo das manifestações

Ontem, quando o país explodiu em meio as inúmeras manifestações, uma amiga me ligou para contar sobre a manifestação em Belém-PA. Ela – feminista, ambientalista que está na defesa pelos povos da Amazônia desde a juventude, mas sem filiação partidária – se disse assustada com a brutal resistência dos manifestantes com relação aos partidos. Em Belém, carros de som e bandeiras dos partidos foram impedidas de circularem e veementemente hostilizadas. “Sem partido, sem partido”, gritavam os manifestantes, assim como gritaram em outras partes do Brasil.

O que mais me assusta neste aparente apartidarismo é a incompreensão de um “Estatuto da Política”. Um estatuto que não rege apenas o Brasil, mas a política mundial. Refiro-me a incompreensão da necessidade de organizar-se em partido, ou mesmo em movimentos, para disputar os rumos da sociedade e ocupar as instituições; a incapacidade de compreender que os Governos –burgueses ou não– são instrumentos para as transformações sociais e econômicas do nosso povo; e, por fim, a incapacidade de entender o que é a política.

É aqui falo de política tomando Hannah Arendt (1950)* como referência, que conceitua a política baseada na pluralidade dos homens (e mulheres) e na convivência entre os diferentes. Desta forma, a política não é parte individualizada."(...) O homem é a-político. A política surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora dos homens. Por conseguinte, não existe nenhuma substância política original. A política surge no intra-espaço e se estabelece como relação". Onde há a palavra homens, leia-se mulheres também. Desta forma, percebo que negar “o partido”, “o diferente” vai contra a própria política.

Mas o que mais me preocupa é que, enquanto os manifestantes negam o partidarismo e a esquerda briga pra ver quem é mais de esquerda e esquece que governar é estar permanentemente em disputa com as contradições que o capitalismo nos impõem e com os limites da burocracia governamental**, os segmentos mais conservadores entendem a necessidade de seguir o “Estatuto da política” para garantirem conquistas de direitos que partem de pautas igualmente conservadoras. Não é à toa que estes setores vivenciam um movimento contrário, organizando-se cada vez mais enquanto partido e fortalecendo a bancada ruralista e do agronegócio e a bancada da moral religiosa cristã. Duas bancadas que têm nos proporcionado retrocessos e impedido debates importantes para o país como a questão do aborto.

Não obstante, os ambientalistas também tem se organizado em torno de um partido, no caso da Rede, encabeçado pela Marina Silva. Embora rejeitem a concepção do partido e forcem sobre si o conceito de rede***, embora vivam contradições ideológicas sobre o ambientalismo, eles entenderam que a disputa também é feita por dentro das estruturas. Essa institucionalização segue uma tendência que também já existe na Europa e precisa ser melhor estudada. Como é o caso do Partido Pirata Sueco cuja pauta está ligada a democratização da propriedade industrial e intelectual ou, talvez menos, o italiano “Movimento 5 Estrelas”, que nasceu, em 2009, como uma mobilização social na internet, liderada pelo comediante Beppe Grillo, partidarizou-se e hoje conta com quatro prefeitos e uma representatividade de quase 20% cada na câmara e no senado****. Hoje este partido se depara com as contradições do que é ser governo.

Sem dúvida, as manifestações não deixam de ser uma grande lição para os partidos em geral e, principalmente, para os partidos de esquerda. Aqui como na Europa, a esquerda experimenta o desafio de se renovar perante às massas que rejeitam cada vez mais o partidarismo e que há muito estão desiludidas com a lentidão das transformações sociais ou os retrocessos nos direitos sociais. O desafio é como disputar os rumos dessa sociedade. É importante pensar novas abordagens, novas linguagens, uma nova estética e apropriar-se das tecnologias da informação.

Mas o que não dá é pra não tomar partido. E voltando a historinha do começo do texto, senti um orgulho danado da minha amiga paraense que resolveu se filiar ao PT. Podia ser em qualquer outro partido à esquerda, mas ela tomou partido e entende que esse apartidarismo aí não provoca as verdadeiras mudanças estruturais que o país precisa. Falo de mudanças como a reforma política, a democratização da comunicação e do conhecimento.

*ARENDT, Hannah. O que é Política? Rio de Janeiro: Bertrand, (1950) 2004.
** Importante revisitar Lênin e o seu pensamento sobre a burocracia.
*** Sobre o conceito de Redes consultar SCHERER-WARREN (2012; 2006; 2005)

**** Informações da Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/MoVimento_5_Estrelas 

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