terça-feira, 15 de abril de 2008

Mundo múltiplo

Para enxergar claro, bastar mudar a direção do olhar. [Antoine de Saint-Exupéry]


Abriu os olhos num despertar instantâneo. Tudo era diferente. Tudo parecia, há um instante, tão distante... O mundo não era mais azul. Era agora multicolorido. Múltiplo. De uma multiplicidade não apenas de cores, mas de formas, tamanhos, cheiros, sabores, pensamentos, palavras, ventos. Já não via mais do mesmo jeito. Tampouco sentia as coisas da mesma forma de outrora. Era como se tivesse amadurecido tudo nos meses em que a cegueira tomara-lhe conta da alma, do corpo e do coração.

A vista ainda falhava, ficava meio turva. Mas não se desesperava mais. Tão logo lembrava da dor e do sofrimento, ficava ali quietinha... Esperando tudo passar. Porque um dia tudo passaria. Talvez nem se lembrasse do que acontecera ou do que deixara de acontecer. Ou pior: lembraria, mas fingiria esquecer. Torceria o nariz e diria "Ah! Mas isso nunca aconteceu comigo! Lembro que aconteceu com a amiga da cunhada da prima da vizinha. Comigo nunca." E o nunca ressoaria a sua aparente indiferença. Tão fingida! Ganharia um prêmio de melhor atriz. Conhecia seus comportamentos. Seria assim mesmo: indiferente. Afinal, a indiferença é a melhor maneira de massacrar os inimigos. Só não sabia ainda quem os eram.

O importante era que estava viva e enxergava um novo mundo e um novo caminho. Também não mais esperaria pela companhia certa para iniciar aquela jornada. Não nascera sozinha? Todos não queriam estar sozinhos? Ora, então que caminhasse só... Quem sabe no meio do nada, topasse e achasse um alguém quase tudo.

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