quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Valdemar Cabral Caracas *

Desilusões, perdas e alegrias:
estórias de uma história viva
ou a multiplicidade da vida.

Isabelle Azevedo


“Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão”**

Não se sabe ao certo quando ela se instalou por ali, ditando o ritmo das coisas. O fato é que entrou sem ser vista e foi se acomodar bem ao lado da cadeira de balanço preferida dele. A voz suave dela canta uma ode cujos versos tecem lembranças de cem anos de história e embala os momentos revisitados em memória. Ah! A Desilusão. A impressão é que ela parece dar cadencia à vida de Valdemar Cabral Caracas.

Voltando um pouco na história deste ícone que foi ferroviário, esportista, cronista, comentarista, percebe-se que a desilusão só se instaurou mesmo na velhice. Mas o que se esperar da vida quando já se viveu cem anos? Não pedira para viver isso tudo. Cem anos! Talvez tenha tido um pouco de sorte. O pai, Francisco Caracas Sobrinho, por exemplo, morreu aos 36 anos. A irmã de quem mais gostava também morreu ainda jovem. Perdeu a mãe, Francisca Cabral Caracas, os filhos homens ainda bebês, os amigos queridos e por último a esposa Anete com quem viveu por sete décadas. Foram embora todos. Coisas da vida. Uma sucessão de perdas que permitiram aos poucos que a desilusão entrasse e tomasse conta da dança da solidão sugerida nos versos da música.

Mas a vida não é feita só de perdas. Valdemar também é homem de conquistas. As lágrimas teimam em não cair deixando os olhos marejados, indicando as lembranças que vão sendo rememoradas. São muitas. São muitos os anos vividos e poucos os que conseguem atingir essa idade com tanta lucidez. Às vezes, uma lembrança leva à outra, que leva à outra e outra até o assunto inicial se perder. A memória estanca de uma vez. “Onde é que eu estava mesmo?” E o assunto é retomado. “É história, eu tenho história”.

A família saiu de Pacoti, município cearense localizado a 100 quilômetros de Fortaleza, quando ele tinha apenas cinco anos de idade para vencer as misérias do interior cearense. Com a morte do pai e da irmã, teve de trabalhar cedo para sustentar a casa. Trabalhou em farmácias e no comércio, antes de entrar como datilógrafo da Rede Viação Cearense (RVC).

Foi na RVC que encontrou duas paixões: o futebol e a política. O espírito de liderança permitiu-lhe tornar-se o líder dos ferroviários, tanto na classe trabalhadora quanto no futebol. Explica-se. Valdemar foi uma forte influência junto aos trabalhadores da Viação Férrea. No futebol, a outra paixão, Valdemar deixou o campo de terra onde jogava bola na Praça da Lagoinha ainda menino para ocupar os gramados do campo de futebol com a fundação do Ferroviário Atlético Clube, em 1933. O time coral foi fundado a partir dos dois times em que atuavam os ferroviários da companhia. Valdemar dirigiu o “Ferrim”, chegando a conquistar o título de Campeão Cearense em 1945. Nunca quis presidir o Ferroviário. A explicação é que era ele quem mandava em tudo.

De fato, a vida foi generosa com Valdemar, concedendo-lhe uma rica história com muitos “causos” engraçados. Teve o prazer de conhecer personagens que muitos só conhecem dos livros de história. Viu de perto Lampião e o cangaço; tomou café com Floro Bartolomeu, que participou da Sedição de Juazeiro, e jantou com Padre Cícero, chegando a conversar com ele. Aliás, conversar não. “Padre Cícero não deixava ninguém conversar, ele falava sozinho”.

Mais tarde conheceu e travou valiosas amizades com a literatura cearense ao lado de Blanchard Girão e Eduardo Campos, já falecidos, e de Cid Caravalho, amigo de longas conversas ao sabor das delícias do “Raimundo dos Queijos”.

Uma vida agitada. Mas muitos se foram. Ficou a desilusão por ainda estar por estas bandas. Ficou sozinho. Besteira. Quando chegar a hora de ir, que ainda vai demorar muito, a festa lá em cima estará completa. Os amigos de perto e de longe o saudarão. E a desilusão será apenas impressões em versos de música.

*Perfil escrito para a disciplina de Laboratório de Jornalismo Impresso. A Entrevista com Valdemar Caracas será prublicada na Revista Entrevista N°21, uma publicação do sétimo e sexto semestres do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará.

* Trecho da música Dança da solidão, de Paulinho da Viola.

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